terça-feira, 6 de julho de 2021

DAC - A Educação e os Jovens : passado, presente e futuro : Entrevista com Drª Tânia Camilo

 No âmbito do DAC- A Educação e os Jovens : passado, presente e futuro, os alunos do 10.º B realizaram vários desafios para compreenderem como a educação tem evoluído ao longo dos tempos , como passou de um privilégio a um direito humano fundamental. Entre os diferentes desafios, estão um conjunto de entrevistas realizadas aos promotores e colaboradores do PROGRAMA DAS ARTES FERNANDA BOTELHO.

Partilhamos aqui a entrevista realizada pelos alunos Jorge e Rodrigo à Drª Tânia Camilo, Coordenadora da Biblioteca Municipal do Cadaval e colaboradora e representante do município do Cadaval no âmbito do projeto pedagógico artístico e cultural - Programa das Artes Fernanda Botelho.


J,R: Dr.ª Tânia Camilo, fale um pouco sobre a sua experiência profissional.

TC: Portanto, eu sou bibliotecária, há anos, da Biblioteca Municipal do Cadaval, e isto implica a responsabilidade de planificação das atividades da biblioteca, a gestão dos recursos humanos e materiais da biblioteca, coordenação dos diversos serviços da biblioteca municipal e, no caso desta entrevista, visto que estamos aqui, tem a ver também com o estabelecimento de parcerias entre a câmara municipal através da biblioteca com as entidades locais que possam contribuir para o desenvolvimento cultural local, no caso do Programa das Artes Fernanda Botelho, em parceria com o Agrupamento de Escolas.

 

J,R: Qual é a importância do Programa das Artes Fernanda Botelho?

TC: Este programa, no meu ponto de vista, dá a possibilidade da experimentação, ou seja, a partir deste programa os alunos podem experimentar artes que de outra forma não poderiam. Especialmente num concelho como o nosso, que é distante das cidades grandes, em que não existe tanta oportunidade artística em que os nossos alunos, jovens e crianças não teriam a possibilidade de participar, como é o caso do design gráfico, do teatro e da dança. (…)

No entanto, há aqui diversas formas artísticas em que existe a possibilidade de experimentar, de frequentar aulas e oficinas que de outra forma não teriam. Eu acho que é extremamente importante, especialmente para os alunos do 3.º Ciclo, conhecerem outras formas de estar na vida, outras formas de cultura, outras formas de fazer. E o programa contribuiu muito para essa amplitude de conhecimento, daí a importância que eu dou ao Programa das Artes.

 

J,R: Fernanda Botelho. Porquê ela e o que tem de especial?

TC: Portanto, o porquê dela, de ser a Fernanda Botelho, é muito simples. Fernanda Botelho foi uma escritora bem-sucedida no século XX que residiu no nosso concelho, por cerca de 10 anos, na aldeia da Vermelha, como vocês sabem. Não temos nenhuma outra escritora com esta grandiosidade a ter residido no concelho, portanto Fernanda Botelho é, por excelência, a nossa maior escritora do concelho, não sendo ela de cá, mas como tem família cá, Fernanda Botelho passou a fazer parte do nosso território. Está também implícita aqui a Associação Gritos Da Minha Dança, que é a associação que detém a memória cultural e o espólio literário da escritora, é uma associação que é presidida pela neta, Joana Botelho, cuja sede é na casa onde viveu Fernanda Botelho nestes 10 anos, na Vermelha. Essa casa é a Casa-Memória, onde se reúne todo o espólio literário, os livros que ela escreveu, os livros que ela leu e os livros que ela estudou e onde está também parte da família direta da Fernanda Botelho, que ainda vive cá nessa casa no nosso concelho. Na literatura, porquê Fernanda Botelho? Fernanda Botelho foi uma mulher que no tempo dela rompeu barreiras na literatura, era feminista, mas sem saber que estava a ser feminista, pois este termo do feminismo apareceu depois dos anos 70, especialmente depois do 25 de Abril, mas ela nos anos 50-60 já era uma feminista que já escrevia sobre mulheres que rompiam com os padrões da sociedade na altura. Escreveu muito sobre a parte sexual das mulheres, escreveu muito sobre as mulheres traírem os maridos, o que na altura era tabu, não se falava. Fernanda Botelho teve a audácia de falar (escrever) sobre temas que não eram tão bem aceites e ainda por cima escritos por uma mulher, portanto teve esta coragem e esta grandiosidade de ser feminista num tempo em que ainda não havia feminismo, ou seja, não havia um feminismo assumido. (…)

A importância dela na literatura portuguesa é isso, romper barreiras, e também fundou revistas literárias, com o Jorge de Sena e Vergílio Ferreira, contemporâneos dela e pessoas bastante importantes na literatura, e a importância dela é essa, uma mulher que conseguiu erguer-se num universo literário masculino.

 

J,R: Como é que a cultura pode evoluir de forma a chegar mais perto da educação?

TC: A cultura para chegar mais perto da educação tem de ter um processo de envolvimento, ou seja, os alunos têm de se envolver com a própria cultura. 

Portanto, isto quer dizer o quê? Por exemplo, aquela exposição que nós temos neste momento na Biblioteca, “Coordenadas do Lugar Íntimo”, é uma exposição constituída por objetos feitos pelos alunos. Os alunos que estiveram integrados no Programa das Artes construíram aquela exposição. Ela foi montada pela Joana Botelho e pela Marta Pinheiro Bernardino com o nosso apoio da Biblioteca, mas ela é feita com objetos artísticos feitos pelos alunos, portanto, houve aqui um envolvimento pelos alunos na parte cultural, não na montagem da exposição mas no conteúdo da exposição. A cultura deve ser envolvida, ou seja, se vocês forem convidados a fazer obras de arte, estão-se a envolver, e isto dá muito mais motivação para depois vir a conhecer, a ver e a levar pessoas. Os alunos levam os pais à exposição que eles próprios construíram. (…)

Portanto, a cultura tem sempre de passar por uma parte integrante de envolvimento dos alunos.

 

R,J: O que considera que falta na educação de hoje?

TC: Falta muita coisa na educação de hoje, e falta acima de tudo respeito pela individualidade do aluno, ou seja, os alunos não são iguais. Cada um tem os seus próprios interesses, todos nós temos diferentes formas de estar na vida. E eu acho que falta esta liberdade, uma liberdade para o aluno aprender. Nós não somos todos geniais, não somos todos menos-geniais, não somos todos médios. Somos todos diferentes. Ninguém aprende da mesma maneira. E é isso que eu acho que falta no nosso ensino: a capacidade dos alunos poderem seguir ao seu próprio ritmo, poderem estudar aquilo que mais os interessa, se bem que não estão numa idade em que ‘Eu já sei que quero ser advogado quando for grande’; OK, isto é um processo, mas podem também experimentar, por exemplo, no direito, a arte da oratória, o advogado tem de saber falar, saber argumentar. O aluno não tem essa possibilidade, não há este desbravar das capacidades de cada um dos alunos, não, há um sistema de ensino coletivo em que temos todos de seguir os mesmos moldes, e eu acho que é isso que falta, a liberdade de cada aluno ir seguindo ao seu ritmo e ir testando, mas isto envolveria toda a reforma do sistema educativo. (…)

 

J,R: No futuro próximo, o que é que acha que se deve incluir na cultura urgentemente?

TC: Urgentemente, temos de incluir a capacidade de raciocínio, de opinião própria, pois nós estamos formatados apenas a ler e a responder o que ‘está ali’, e acho que já não se cultiva tanto a capacidade de interpretação, de raciocínio e de massa crítica (essa massa crítica nós adquirimos mais tarde), ou seja, no ensino, e especialmente na vossa faixa etária, vocês devem ser mais explorados na parte da construção crítica, ou seja, vocês devem ter uma opinião, não devem acolher ou receber informação como um ponto final. Devem aprender a ler, a interpretar, a criticar e a argumentar, e eu acho que, a curto prazo, é isso que faz falta no ensino. Claro que, por outros lados, também há outras coisas que fazem falta, mas eu acho que, neste momento, aquilo que eu vejo da vossa geração é a falta de capacidade de argumentação, aceitam demasiado a informação, ponto final, e não refletem sobre ela, nem quando são obrigados nos testes, e eu acho que é preciso incentivar, cultivar, criar pensadores e pessoas com liberdade crítica, construtiva, acima de tudo. Porquê? Porque isto pode mudar o mundo, porque se eu tomar tudo como ponto final, nada muda. (…)

Nós temos de ter a capacidade de pensar, raciocinar, recolher informação, estar motivados para conhecer e pesquisar, saber e aprender que a vida não é só o que está à nossa volta, é muito mais, e que a minha ação vai influenciar a ação do outro, ações, que vão influenciando as dos outros.

É esta capacidade de argumentação que é preciso vocês (os alunos) terem, senão o mundo não muda.

 


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