No âmbito do DAC- A Educação e os Jovens : passado, presente e futuro, os alunos do 10.º B realizaram vários desafios para compreenderem como a educação tem evoluído ao longo dos tempos , como passou de um privilégio a um direito humano fundamental. Entre os diferentes desafios, estão um conjunto de entrevistas realizadas aos promotores e colaboradores do PROGRAMA DAS ARTES FERNANDA BOTELHO.
Partilhamos aqui a entrevista realizada pelos alunos Jorge e Rodrigo à Drª Tânia Camilo, Coordenadora da Biblioteca Municipal do Cadaval e colaboradora e representante do município do Cadaval no âmbito do projeto pedagógico artístico e cultural - Programa das Artes Fernanda Botelho.
J,R: Dr.ª Tânia Camilo, fale um pouco sobre a sua experiência
profissional.
TC: Portanto, eu sou bibliotecária, há anos, da Biblioteca
Municipal do Cadaval, e isto implica a responsabilidade de planificação das
atividades da biblioteca, a gestão dos recursos humanos e materiais da
biblioteca, coordenação dos diversos serviços da biblioteca municipal e, no
caso desta entrevista, visto que estamos aqui, tem a ver também com o
estabelecimento de parcerias entre a câmara municipal através da biblioteca com
as entidades locais que possam contribuir para o desenvolvimento cultural local,
no caso do Programa das Artes Fernanda Botelho, em parceria com o Agrupamento
de Escolas.
J,R: Qual é a importância do Programa das Artes Fernanda Botelho?
TC: Este programa, no meu ponto de vista, dá a possibilidade da
experimentação, ou seja, a partir deste programa os alunos podem experimentar
artes que de outra forma não poderiam. Especialmente num concelho como o nosso,
que é distante das cidades grandes, em que não existe tanta oportunidade
artística em que os nossos alunos, jovens e crianças não teriam a possibilidade
de participar, como é o caso do design gráfico, do teatro e da dança. (…)
No entanto, há aqui diversas formas artísticas em que existe a
possibilidade de experimentar, de frequentar aulas e oficinas que de outra
forma não teriam. Eu acho que é extremamente importante, especialmente para os
alunos do 3.º Ciclo, conhecerem outras formas de estar na vida, outras formas
de cultura, outras formas de fazer. E o programa contribuiu muito para essa
amplitude de conhecimento, daí a importância que eu dou ao Programa das Artes.
J,R: Fernanda Botelho. Porquê ela e o que tem de especial?
TC: Portanto, o porquê dela, de ser a Fernanda Botelho, é muito
simples. Fernanda Botelho foi uma escritora bem-sucedida no século XX que
residiu no nosso concelho, por cerca de 10 anos, na aldeia da Vermelha, como
vocês sabem. Não temos nenhuma outra escritora com esta grandiosidade a ter
residido no concelho, portanto Fernanda Botelho é, por excelência, a nossa
maior escritora do concelho, não sendo ela de cá, mas como tem família cá,
Fernanda Botelho passou a fazer parte do nosso território. Está também
implícita aqui a Associação Gritos Da Minha Dança, que é a associação que detém
a memória cultural e o espólio literário da escritora, é uma associação que é presidida
pela neta, Joana Botelho, cuja sede é na casa onde viveu Fernanda Botelho
nestes 10 anos, na Vermelha. Essa casa é a Casa-Memória, onde se reúne todo o
espólio literário, os livros que ela escreveu, os livros que ela leu e os
livros que ela estudou e onde está também parte da família direta da Fernanda
Botelho, que ainda vive cá nessa casa no nosso concelho. Na literatura, porquê
Fernanda Botelho? Fernanda Botelho foi uma mulher que no tempo dela rompeu
barreiras na literatura, era feminista, mas sem saber que estava a ser
feminista, pois este termo do feminismo apareceu depois dos anos 70,
especialmente depois do 25 de Abril, mas ela nos anos 50-60 já era uma
feminista que já escrevia sobre mulheres que rompiam com os padrões da
sociedade na altura. Escreveu muito sobre a parte sexual das mulheres, escreveu
muito sobre as mulheres traírem os maridos, o que na altura era tabu, não se
falava. Fernanda Botelho teve a audácia de falar (escrever) sobre temas que não
eram tão bem aceites e ainda por cima escritos por uma mulher, portanto teve
esta coragem e esta grandiosidade de ser feminista num tempo em que ainda não
havia feminismo, ou seja, não havia um feminismo assumido. (…)
A importância dela na literatura portuguesa é isso, romper
barreiras, e também fundou revistas literárias, com o Jorge de Sena e Vergílio
Ferreira, contemporâneos dela e pessoas bastante importantes na literatura, e a
importância dela é essa, uma mulher que conseguiu erguer-se num universo
literário masculino.
J,R: Como é que a cultura pode evoluir de forma a chegar mais
perto da educação?
TC: A cultura para chegar mais perto da educação tem de ter um
processo de envolvimento, ou seja, os alunos têm de se envolver com a própria
cultura.
Portanto, isto quer dizer o quê? Por exemplo, aquela exposição que
nós temos neste momento na Biblioteca, “Coordenadas do Lugar Íntimo”, é uma
exposição constituída por objetos feitos pelos alunos. Os alunos que estiveram
integrados no Programa das Artes construíram aquela exposição. Ela foi montada
pela Joana Botelho e pela Marta Pinheiro Bernardino com o nosso apoio da
Biblioteca, mas ela é feita com objetos artísticos feitos pelos alunos,
portanto, houve aqui um envolvimento pelos alunos na parte cultural, não na
montagem da exposição mas no conteúdo da exposição. A cultura deve ser
envolvida, ou seja, se vocês forem convidados a fazer obras de arte, estão-se a
envolver, e isto dá muito mais motivação para depois vir a conhecer, a ver e a
levar pessoas. Os alunos levam os pais à exposição que eles próprios
construíram. (…)
Portanto, a cultura tem sempre de passar por uma parte integrante
de envolvimento dos alunos.
R,J: O que considera que falta na educação de hoje?
TC: Falta muita coisa na educação de hoje, e falta acima de tudo
respeito pela individualidade do aluno, ou seja, os alunos não são iguais. Cada
um tem os seus próprios interesses, todos nós temos diferentes formas de estar
na vida. E eu acho que falta esta liberdade, uma liberdade para o aluno
aprender. Nós não somos todos geniais, não somos todos menos-geniais, não somos
todos médios. Somos todos diferentes. Ninguém aprende da mesma maneira. E é
isso que eu acho que falta no nosso ensino: a capacidade dos alunos poderem
seguir ao seu próprio ritmo, poderem estudar aquilo que mais os interessa, se
bem que não estão numa idade em que ‘Eu já sei que quero ser advogado quando
for grande’; OK, isto é um processo, mas podem também experimentar, por
exemplo, no direito, a arte da oratória, o advogado tem de saber falar, saber
argumentar. O aluno não tem essa possibilidade, não há este desbravar das
capacidades de cada um dos alunos, não, há um sistema de ensino coletivo em que
temos todos de seguir os mesmos moldes, e eu acho que é isso que falta, a
liberdade de cada aluno ir seguindo ao seu ritmo e ir testando, mas isto
envolveria toda a reforma do sistema educativo. (…)
J,R: No futuro próximo, o que é que acha que se deve incluir na
cultura urgentemente?
TC: Urgentemente, temos de incluir a capacidade de raciocínio, de
opinião própria, pois nós estamos formatados apenas a ler e a responder o que
‘está ali’, e acho que já não se cultiva tanto a capacidade de interpretação,
de raciocínio e de massa crítica (essa massa crítica nós adquirimos mais
tarde), ou seja, no ensino, e especialmente na vossa faixa etária, vocês devem
ser mais explorados na parte da construção crítica, ou seja, vocês devem ter
uma opinião, não devem acolher ou receber informação como um ponto final. Devem
aprender a ler, a interpretar, a criticar e a argumentar, e eu acho que, a
curto prazo, é isso que faz falta no ensino. Claro que, por outros lados,
também há outras coisas que fazem falta, mas eu acho que, neste momento, aquilo
que eu vejo da vossa geração é a falta de capacidade de argumentação, aceitam
demasiado a informação, ponto final, e não refletem sobre ela, nem quando são
obrigados nos testes, e eu acho que é preciso incentivar, cultivar, criar
pensadores e pessoas com liberdade crítica, construtiva, acima de tudo. Porquê?
Porque isto pode mudar o mundo, porque se eu tomar tudo como ponto final, nada
muda. (…)
Nós temos de ter a capacidade de pensar, raciocinar, recolher
informação, estar motivados para conhecer e pesquisar, saber e aprender que a
vida não é só o que está à nossa volta, é muito mais, e que a minha ação vai
influenciar a ação do outro, ações, que vão influenciando as dos outros.
É esta capacidade de argumentação que é preciso vocês (os alunos)
terem, senão o mundo não muda.
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