Decorrente do primeiro vídeo da série intitulada Ways of
seeing de John Berger transmitido pela BBC 2 em 1972, disponível no YouTube,
surge a apresentação de Simão Valente, que nos vem explicar o que ele chama a “Pré-História
da Imagem”, a evolução da imagem e de algumas conceções de representação, os
códigos que subjazem a uma gramática da imagem e que vão evoluindo, passando
das imagens sagradas nas igrejas com códigos convencionais muito rígidos de
representação dos seres divinos a uma progressiva humanização do divino e
posteriormente a uma centralidade do humano. A este desenvolvimento na
representação aliam-se os meios mecânicos e a divulgação em massa de fotografias
e de reproduções de arte através de livros, postais, posters, etc. que torna
fácil o acesso à imagem, mas que subverte e descontextualiza a mensagem das
imagens e a relação que com elas se cria. Especialmente no século XX e XXI, com
a evolução dos mass media como o cinema, a televisão, os novos media, a imagem
têm um papel central na comunicação e “ invade” o espaço cultural, alterando a
relação entre quem vê e o que é mostrado, uma vez que muito do que é mostrado
nos aparece em contextos diferentes do inicial. Por exemplo, é muito diferente
ver uma pintura no seu “ lugar” contextual – na igreja, no museu ou galeria de
arte – ou num postal, livro ou até filme. Isto porque o contexto físico também
faz parte da mensagem, o que faz com que o valor da imagem se altere e adquira
diferentes significados. Da obra de arte, única e original, passou-se para um
sistema de cópias infinitas totais e parciais – recortes -. A banalização leva
à familiaridade. E, esta também muda a interpretação e a relação com a imagem.
Observar um quadro num museu, como a Mona Lisa (Museu do Louvre), é uma
experiência muito diferente de o ver num postal ou impresso num livro de arte. Observar
toda uma pintura ao vivo é diferente de ver partes.
O enterro de Cristo de Fra Angelico
A história da imagem é também a história da forma como nos
relacionamos com ela e como interpretamos a sua simbologia. Por exemplo, em O enterro de Cristo (1450) uma pintura
de Fra Angelico (1395-1455) que está na Alte Pinakothek de Munique, Alemanha,
identificamos seres divinos, as figuras sagradas, como Cristo pelas auréolas
douradas em volta da cabeça das personagens. Estas são sempre representadas
desta forma, evocando um plano para além do humano. Estas pinturas encontram-se
nas igrejas e são utilizadas para contar as histórias bíblicas. Interagem assim
com os plano do religioso e sagrado, num espaço também ele sagrado.
O sepultamento de Cristo de Ticiano
O enterro do Conde de Orgaz de El Greco
Com o Renascimento há uma humanização das personagens retratadas. Nesta pintura de Ticiano, (1490-1576), O sepultamento de Cristo (1559) que está no Museu do Prado, Madrid, Espanha, a situação retratada é a mesma: a morte de Cristo. Mas, este aparece retratado de uma forma que o coloca num plano mais humano.
Posteriormente, o tema da morte, aparece em pinturas como O enterro do Conde de Orgaz (1587) de
El Greco (1549-1614), pintura que se encontra na Igreja de São Tomé em Toledo,
Espanha, representando personalidades importantes da Alta Nobreza, tem como personalidade
central o Conde de Orgaz. Todavia os elementos ligados ao plano do sagrado
mantem-se presentes – Cristo, anjos, santos-.
Pormenor do plano divino - Os seres divinos assistem ao funeral deste humano importante - o Conde de Orgaz
Enterro em Ormais de Gustave Courbet
Já no século XIX, com O
enterro de Ormains (1850) de Gustave Courbet (1819-1877), que se encontra
no Museu D’Orsay, Paris, França, observamos uma outra evolução na pintura que,
por esta altura, inclui temas do mundo quotidiano. Trata-se da representação do
ritual do funeral de uma pessoa comum, sem estatuto divino ou social
importante, em que os símbolos do divino são eles próprios representados – A
estátua de Cristo aparece no crucifixo. É a arte dentro da arte. O tema central
é o mesmo, mas vamos assistindo a uma evolução: Cristo Divino, Cristo Humano,
Humano Importante, Humano “ quotidiano”. Este exemplo mostra como as representações
do tema da morte evoluíram para progressivamente ficarem mais próximas de nós,
chegando assim ao ponto de partida desta apresentação que teve início com o
visionamento de um extrato de um vídeo representando um ritual funerário naGanda. Mas, todas estas pinturas, desde o Renascimento ao Realismo, têm em
comum a tristeza e sofrimento que estão associados à perda de entes queridos,
ao contrário do que nos é mostrado no vídeo, onde os cangalheiros dançam ao
ritmo de uma música animada que acompanha o cortejo fúnebre, mais como uma
festa, o que na nossa cultura é impensável. O modo como interpretamos a imagem
está relacionado com os nossos valores culturais.
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